Nostalgia - Saudosismo!
(A vida encantada em Porto Velho no limiar de sua existência)
Houve um tempo em Rondônia, que a terra parecia um mundo encantado.
A ferrovia Madeira-Mamoré funcionava muito bem. Transportava, através dos vagões de carga, gêneros alimentícios, verduras e frutas para Porto Velho, tendo a Colônia do Iata como a principal fornecedora;
Também era um dos meios de transporte a serviço de muita gente (seringalistas, seringueiros, etc), que saia do Vale do Guaporé com destino a capital do Território e vice-versa. Como dizia o paraense Lilico: "tempo bom"
A frota dos navios Manaus x Porto Velho e vice-versa, funcionando de vento em poupa, trazia e levava passageiros que faziam da viagem uma diversão turística. Eu mesmo fiz essas viagens no Augusto Montenegro, Leopoldo Peres e Lobo D’Almada.
Não havia a BR 364 e nem a 319 e nem outra mais, porém os rios faziam bem o seu papel na região.
Havia um excelente Mercado Central, onde, por assim dizer, a cidade acorria toda para lá, ainda o sol por aparecer. Lá tinha de tudo. Sim, porque o que não tinha, poucos sabiam que era para ter.
Não havia também transporte urbano, mas as distâncias eram curtas e sabia-se percorrer a cidade a pé, de bicicleta ou até mesmo a cavalo. Poucos carros e a cidade não era acostumada ao barulho. Som mesmo, só os causados pelas chuvas (trovões), os apitos dos trens, dos navios e dos sinos das igrejas. O Viriato Moura me dizia que era comum, quando alguma personalidade importante de Porto Velho falecia, os sinos da Catedral soarem em badaladas frenéticas. Energia, só até as 22h. Muitas vezes dei aula para os alunos do Carmela Dutra à luz de velas. Eles traziam de suas casas.
A alegria da cidade era obra dos estudantes que sorridentes e cheios de energia se deslocavam para suas escolas alegres e tagarelando o tempo todo, felizes, tanto no ir quanto no voltar. Felizes em casa e felizes nas escolas.
As praças de Porto Velho, todas bem cuidadas, imponentes, o verde tomando-as de ponta a ponta, cheias de acolhimentos (bancos, a sombra das árvores, área gramada até para você se deitar – e era isso que os estudantes faziam – algumas partes floridas e, pasme, até jacarés no chafariz das praças haviam, como na Praça Aluísio Ferreira e na praça Getúlio Vargas, em frente ao Palácio Presidente Vargas) Esta praça em frente ao Palácio Presidente Vargas havia uma fonte luminosa, tão espetacular, que era show esplendoroso. Em tempos não muito distantes, havia um obelisco que contemplava um reservatório de água, cheio de lodo, onde morava um jacaré de metro e meio de comprimento. Confirma minhas informações, o livro do amigo Viriato Moura, intitulado “Sabor do Amanhecer”.
Porto Velho não tinha muita opção de lazer. Apenas cinema (Resky, Cine Brasil e depois Cine Lacerda (local de apresentação de grandes filmes épicos, como Ben-Hur, Os Dez Mandamentos, etc.). Só filmes clássicos). Além das praças, bem conservadas, bonitas e acolhedoras, e dos cinemas, Porto Velho tinha, no dizer do meu amigo radialista da rádio Caiari, José Ribamar, a melhor praça de esportes da região. Ele transmitia os jogos direto do Estádio Aluízio Ferreira. Sabia, ao narrar uma partida de futebol, levar o público ao delírio, se a escutá-lo no rádio. Tínhamos, também os circos, os bois-bumbás, as quadrilhas nas festas juninas e os arraias. Gostava do arraial da Catedral. Circulava ao redor da Catedral atrás de paquerar as garotas.
Porto Velho tinha também, à época, seus tipos populares. A garotada adorava correr ao se encontrar com alguns desses tipos. Zé Quirino, Morcego, Pará, Chico Ceará, Cachimbão, Macaco, Pacácio e Beleza, Roberto Carlos Piu Piu e muitos outros. Hoje, parece que só ouço falar da Dançarina da Praça. Talvez seja porque a cidade cresceu e tudo some em sua amplitude desengonçada.
Sem contar com os conjuntos musicais formados por gente nativa, que tocavam nos bailes de 15 anos dedicados às debutantes (usava-se as dependências do 5º BEC, na REO, até mesmo a sede do Aeroclube de Porto Velho (No antigo Aeroporto do Caiari, situado à época, na área onde está o Estádio Cláudio Coutinho e as vilas residenciais do Exército e da Aeronáutica, se estendendo até a Esplanada das Secretarias, no trecho compreendido entre a avenida Pinheiro Machado e rua Padre Chiquinho, nas Pedrinhas), que servia de embarque e desembarque dos aviões, à noite era usada para pequenas festas. Havia também as movimentações da cidade para essas festas nos principais clubes sociais, como Bancrevea Clube, Clube do Ferroviário, Clube do Ypiranda, Clube do Flamengo, entre outros.
Mas essas festas ocorriam também nas casas com o mesmo requinte, valor, alegria e felicidade. O importante era dar à debutante o entendimento que ela era amada, querida e todos estavam felizes ali no seu baile de debutante. Era sua festa de 15 anos, o momento de sua apresentação à sociedade. Até se pode dizer que depois do seu debut ela passava a ser considerada quase que uma adulta. Podia frequentar reuniões sociais e tinha mais liberdade para tomar suas decisões. Portanto, era importante para a jovem a celebração desta efeméride.
No mais, a cidade tornava-se uma festa só, quando, nas épocas dos carnavais, Dona Marise Castiel com sua Escola de Samba Pobres do Caiari querendo imitar as grandes escolas de samba do Rio de Janeiro fazendo a alegria do povo, e a escola Diplomatas, ali, encostada, competindo para ver quem se apresentava melhor para os porto-velhenses.
Mas não era só isso. Porto Velho vivia, como o Brasil de modo geral, vivia a época da juventude transviada, época do Ye, Ye, Ye, da Jovem guarda. e as festas eram tomadas por aquela juventude rondoniense, alegre, feliz, ordeira e educada. Suas roupas coloridas, justas e com cortes mais ousados, contrastavam com a moda conservadora da época. Mas a curtição era cheia de "paz e amor".
Todos querendo imitar Roberto Carlos, Jerry Adriane, Wanderléa, Martinha, Rosemary, Wanderley Cardoso, entre outros. Havia nesta época duas figuras que caracterizavam (bem) os movimentos da juventude, da jovem Guarda: Paulo Sérgio e Roberto Carlos Piu Piu.
Estudei no Ginásio Dom Bosco. Depois, passado algum tempo, tornei-me professor. Fui professor em quase todas as escolas, colégios da época.
A escassez de professores era grande, principalmente de física, química, matemática e inglês. A década era a de 1970. Eu já trabalhava na Divisão de Educação e Cultura com Dona Marise Castiel (professora, política e carnavalesca. Como educadora, ocupou o cargo de Diretora de Educação no então Território. Foi vereadora das mais atuantes. Como carnavalesca, durante anos dedicou-se de corpo e alma a escola de samba do bairro onde sempre morou, a Pobres do Caiari).
Eu trabalhava no setor de Planejamento com o professor Abnael Machado de Lima, professor Lourival Chagas da Silva e Maurílio Rocha. Eram os que mais se destacavam na época na área da educação e da cultura.
Aliás, trabalhei em vários lugares nesta época dentro da Divisão. Foi bom porque fiquei um pouco eclético, ecumênico e diversificado. Eu já havia lecionado na Escola Samaritana, tendo saído do Território para fazer faculdade na Universidade Federal de Minhas Gerais.
Quando retornei de Belo Horizonte, voltei a trabalhar na Divisão de Educação, agora no setor de Currículos e Programas, com o assessoramento da equipe do Centro de Recursos Humanos João Pinheiro, de Minas Gerais.
Nesta época os Colégios Carmela Dutra (Normal), Colégio Dom Bosco (Ginásio), Colégio Maria Auxiliadora (Instituto) e Colégio Estudo e Trabalho faziam a festa da garotada de Rondônia, em Porto Velho. Guajará Mirim tinha o Paulo Saldanha, mas o sistema educacional do município ainda era pequeno.
Convivia Porto Velho com as dificuldades para que os colégios dispusessem de professores para lecionar disciplinas das ciências exatas: física, química e matemática.
Certo dia estava na Divisão de Educação e Cultura do Território Federal de Rondônia, no prédio que tem sua frente dando com a lateral do Colégio Carmela Dutra, no setor de Currículos onde eu estava lotado, alguém me disse que havia uma irmã (freira) do Instituto Maria Auxiliadora querendo falar comigo. Saí da sala e fui atendê-la. Que surpresa agradável, disse-lhe. Porque era, nada mais nada menos, que a Diretora do Instituto Maria Auxiliadora, a Irmã Maria Quagliotto. Convidei-a para entrar e ela me disse: professor, vou logo direto ao assunto: soube que o senhor é professor de química e de física. Estou sem professor de física e gostaria que o senhor fosse lecionar esta disciplina no Colégio. Eu lhe respondi: é verdade, irmã, leciono física, mas o problema é que não tenho mais tempo. Já trabalho aqui 8 horas por dia e à noite leciono no Colégio Presidente Vargas. Ela, com a minha resposta, senti que ficou muito triste e pálida. Argumentou comigo que as alunas do 3 ano estavam correndo o risco de não se formarem porque não estavam tendo aula de física. Disse-lhe: só tem um jeito. Saio daqui do trabalho e vou ministrar, sempre que possível, se todos os dias, quem sabe, uma aula para o 3º ano. Aquele anjo que estava à minha frente (quem conheceu a Madre Quagliotto sabe que ela tinha um rosto de anjo, muito dócil, delicada, meiga e gentil) agradeceu de mãos postas e saiu cumprimentando a todos, alegre e feliz.
Nesse tempo, Porto Velho ainda não tinha instituições de ensino superior (nem particular e nem pública) e os alunos que encerravam o ensino secundário ( colegial ou médio ) tinham que sair do Território para outras Unidades da Federação, onde enfrentavam o vestibular e, se passassem, faziam o curso superiores, a faculdade.
Enfim, tornei-me professor do Maria Auxiliadora por algum tempo. Lá estavam o professor Ademir, professor Miguel Silva (o radialista, esposo da professora Maria Nazaré), entre outros.
Em 1973, já no ano seguinte, tive que me ausentar de Porto Velho por uns meses e tive uma surpresa agradável. No aeroporto, de repente, algumas alunas do Instituto Maria Auxiliadora estavam, um bom grupo, lá naquela algazarra (elas eram lindas e suas presenças mexiam com o ambiente e ainda mais fardadas) deixaram os presentes atônitos e admirados. Ali estavam minhas alunas para me desejar boa viagem. Recebi um abraço de cada uma.
Foram minhas alunas nesta época a Silvia Albuquerque (eu gostava de chamá-la de pimentinha). Era linda), a Fátima Mohamad Hijazi e sua irmã Badra Muhammad HZ (Badra) - Acho que seus pais, que eram libaneses, chegaram a Porto Velho em 1970 - (pense em gente educada e cheia de ternura) a filha do Miguel Arcanjo (uma das mais lindas mulheres de Porto Velho, a Jane), a Nazaré Erse, irmã do Chiquilito (Quanto beleza, meu Deus!), a Mazarelo (linda, entre outras alunas do Instituto Maria Auxiliadora, todas lindas, muito educadas e felizes.
Ali, no Instituto Maria auxiliadora, todos os professores eram muito queridos e recebiam uma atenção especial das irmãs, tipo agradecidas pelo bem que fazíamos ao Colégio, por estarmos ali ajudando na educação da renomada e bem-sucedida escola da região. Ali conheci a irmã Teresinha, a irmã Carmem, a irmã Inácia, e de todas elas me tornei um grande amigo. Em face do grande carinho que sempre tive pelas irmãs salesianas, estou ultimando um livro com 174 poemas religiosos, intitulado “O livro dos poemas religiosos”, a ser lançado ainda este ano, com a dedicatória para a Irmã Maria Quagliotto.
Ainda fui professor de inglês e de química no Instituto. Muito jovem, apegado à fé, como sou até hoje (sou devoto de Nossa Senhora Auxiliadora) durante os intervalos das aulas me dirigia à capela de Nossa Senhora Auxiliadora, dentro do Colégio, e agradecia por estar vivendo aqueles momentos de paz, de amor e de alegria.
O Território foi criado pelo Presidente Getúlio Vargas em 1943, com o nome de Território Federal do Guaporé. Em 1956, para homenagear o Sertanista Rondon, foi mudado seu nome para Território Federal de Rondônia. Os fatos aqui narrados lembram a década de 1970, 27 anos depois. À época, Porto Velho era uma cidade adolescente. Assim como seus habitantes, cheia de sonhos. Que o digam os pioneiros.
Vocês imaginam o crime que cometeram ao deixarem o Colégio Dom Bosco ser desativado em Porto Velho!
Será que vai acontecer o mesmo com o Instituto Maria Auxiliadora?
Consegui, algum tempo depois, algumas fotos com a minha ex-aluna Badra, que posto a seguir.
Está aí, também, a foto do contrato com o Instituto, que assinei para ser professor. Assinado pela Irmã Diretora Maria Quagliotto.
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