terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Da última vez que me apaixonei


Já havia um bom tempo que meu coração não experimentava uma paixão. Dedicar-se a um grande amor, deixar-me estar o tempo todo, todo o tempo, com a rosto da amada na mente, a pensar, suas mãos a tocar meu corpo, a afagar meu coração. Foi o que ele, aquele senhor de cabelos grisalhos, olhar amadurecido pelo tempo, gestos nobres no falar, depois de algum tempo cabisbaixo e reflexivo, absorto no seu estado letárgico e em plena quietude, a olhar para mim, confessou.

Aquela, pra mim, seria a última vez que me apaixonaria e, a última amada de minha vida, por isso investia tudo do meu sentimento maior, dando toda atenção à amada, tratando-a como se fosse uma flor, aquela para quem eu estava a me entregar de forma irrestrita e completa, noite e dia.

Para ela, toda delicadeza e gentileza, nos gestos e nos jeitos de ser e de fazer, da solicitude à magnanimidade do falar, pedir, oferecer, receber e dar.

Para ela, de ser sempre a princesa do meu castelo, a minha melhor companhia, meu melhor presente divino, onde eu poderia encontrar todo o amor e toda a felicidade que sempre quis e sonhei, ter, viver e dar.

E tudo assim começou. Era uma princesa que, em nome do amor, foi declinando de costumes e apegos que trazia no seu corpo, na sua mente e na sua alma. E, em nome do amor, dedicava-se à vida que nunca teve, ao amor que nunca desfrutou, respeitada, amada, valorizada, dignas de tudo que uma mulher bem amada recebe do seu grande amor.

Acontece que jeitos e maneiras, cultura e sentimentos não se misturam. O amor não é capaz de transformar e nem de resistir, e existir, e, por muito tempo, mudar uma alma, mudar os rumos de um coração, principalmente, de um coração acostumado às adversidades da vida, a tolerar as agruras e amarguras da vida, pelo tanto que já viveu e se entregou à outras vidas. tanto, tanto que age de forma súbita. repentina. inconsequente.

Dizer que era a última esperança para viver um grande amor, ter nesse amor sua grande acolhida e a paz que tanto desejou, isso nada adiantou. Faltou compromisso. Não havia o verdadeiro amor. O amor forte, profundo, inabalável, resistente, apaixonante, o amor, bom, paciente e existencial. 

Então, ele disse: com ela foi embora a última esperança do amor que eu tanto perseguia e queria na minha vida, na minha existência. E tudo começara tão bem. E havia tanta alegria no meu coração. Ali, meu coração me dizia: até que enfim, encontraste alguém que te ama e te fará feliz.

Não foi isso que aconteceu. Foi tudo tão fugas. Tanto o começo quanto o fim. Assim como veio, desfez-se, pressurosamente, como o riscar de uma estrela candente no céu. E seu coração, mais uma vez, ao se achar sozinho, viu que o amor está sumindo da face da terra, do coração da humanidade.

Inútil acreditar que haverá um coração para outro coração, quando em ambos existirá o mesmo amor, um pelo outro, capaz de se sentir-se, um responsável pela felicidade do outro. 

Porque o amor é algo que só existe dentro de um coração maturo, sábio e dedicado ao bem-estar do outro, entendendo, assim, que em resposta terá seu bem-estar também.

O amor sábio e amadurecido, quando existe de alguém para alguém, não importa o mundo lá fora, o passado e nem àquilo que possa querer prejudicá-lo. O amor de alguém por alguém, fortalecido na resposta que o amor desse alguém lhe dá, resiste a tudo e a todos, e permanece firme e duradoura, de forma indelével e infinita.

Mas esse tipo de amor está em extinção. Está no coração de poucos. Por isso, é difícil de ser encontrado. O que existe, na verdade, é o amor disfarçado, uma imitação, mas que é fraco e de pouco valor.

E quem já tem uma história de vida para carregar de qualquer jeito, tendo que conviver com ela, obrigado a conciliar o presente com o passado, porque não pode se desligar da semeadura que fez noutros tempos, só mesmo muita sabedoria e amor, o verdadeiro, para amar e ser amada, verdadeiramente, e de forma plena e integra. 

O amor não é só prazer. O amor é um viver a dois para que ambos se iluminem, amadureçam, cada vez mais, se tornem uma só pessoa, para vencer os obstáculos da vida e alcançar o melhor de todos os presentes divinos: a paz!

A estrada é longa, não é nada fácil segui-la sozinho. Mas os amores se foram todos, porque o amor, o verdadeiro amor, deixou de existir. E os disfarçados amores, se acabam por qualquer razão, facilmente encontram motivos de fracassos. E se desfaz em um piscar de olhos, de forma fugas e inexplicavelmente. É quando nasce a desilusão.

 É isso.

- Jose Valdir pereira -

 

                                                Madame bovary (2014, dir. sophie barthes)

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