Tiraram-me tudo, ou quase tudo, porque ficou a saudade...
que me pesa...na alma, no coração; que é dor...
tão fabuloso... era, assim, meu rio. Tão bucólica... era, assim, minha
cidade...
Mas ainda me lembro do jenipapeiro no quintal...
...e do abacateiro no centro da cidade...verdes, bonitos e carregados...
Incrível! Tudo perto, à porta...De tão pequena
minha cidade...E sumiu...
A minha cidade sumiu...Fizeram outra...
A minha cidade era do tempo das Pedrinhas...do
campo de pouso...do Bate Estaca...Do Km 1, da REO, da Cascalheira, das praias
do rio Madeira...da ferrovia Madeira-Mamoré, do CFAR, do padre Bento,
Pe.Chiquinho, Pe Pasquale di Paola, Do Bispo D. João Batista Costa...dos arraias,
dos bois bumbas e das quadrilhas juninas...
As Pedrinhas...as águas límpidas davam-me
vida...minha alegria infantil...
Hoje, são outras, as pedrinhas...o verde, o floral,
o céu azul deram lugar para os arranhas céus...
Ali, bem ali estava meu cinema
particular..."Cine Brasil", era exclusivamente meu...Só meu!
Saía cedo de casa para assistir a sessão
matinal...Um Zorro, um Tarzan, talvez...
Esportes? Minha cidade era palco de grandes
partidas de futebol...
Minha cidade era tão pequena que tudo parecia estar
dentro de casa...
Dia ensolarado...Estádio Aluízio Ferreira. Nosso
Maracã. Eu criança, o via como um grande Maracanã. Ferroviário e Flamengo...Lá
vai o centro-avante Mauro que, depois de um belo drible em Gervásio, nos fez
gritar: goooool. Dessa vez, o Gervásio deixou a bola e o Mauro passarem. É que,
geralmente, só a bola passava por ele...
Lá vem o Cine Lacerda. Quem? Um novo cinema na
cidade. Mas aquilo lá é cinema? Nem coberto é...Mas é. Vou assistir amanhã,
domingo, "Ben-Hur". E no próximo domingo, vai passar
"Quo-Vadis". Quero é ver se chover! Tem nada não. A gente assiste
assim mesmo.
No rádio, o quê? O Direito de Nascer. Novelão,
hein! Na hora da novela, todo mundo de ouvidos em pé. Bem abertos...
Ah, que bom era viver no tempo dos quintais...
Sivuca e Paulinho tapajós, lembra?
"Era uma vez um tempo de pardais
De verde nos quintais
Faz muito tempo atrás
Quando ainda havia fadas.
(...)
...Sabe, lembro-me que havia um auto falante perto
da minha casa...todo meio dia, belas historinhas infantis...Foi ali que eu
conheci o primeiro lobo mau, a bruxa malvada, os três porquinhos e uma certa
festa no céu...
Domingo no Centro Nossa Senhora do Rosário, no meu
bairro, Olaria, era só alegria. Depois da Santa Missa, as brincadeiras...Nossa,
que fartura: tênis de mesa, futebol, basquetebol...O tempo corria e ninguém
lembrava que a luz do dia já se escondia no horizonte...sem fome, sem
problemas, sem nada...
Hora de crescer, menino...Estudar...Algum tempo
longe de tudo e de todos...
Voltei...Ah, como está tudo mudado...Nem parece que
sou eu...nem parece que és tu...Tão mudada, minha cidade, meu rio...
Que aconteceu? Parece que passou um vendaval por
aqui...Para onde foi tudo e todos?
Não encontrei o Cine Brasil, nem o Cine Teatro
Resky, muito menos o Cine Teatro Lacerda...E o Estádio Aluízio, encolheu? E o
trem parou? Como viajo agora para Guajará Mirim?
Tiraram-me tudo ou quase tudo, porque restou a
saudade...
Vai Sivuca, diz:
...Tempo em que o medo se chamou-jamais
Veio um marques de uma terra já perdida
E era uma vez se fez dono da vida
Mandou buscar cem dúzias de avenidas
Pra expulsar de vez as margaridas
Por não ter filhos, talvez por nem gostar
Ou talvez por mania de mandar
Só sei que enquanto houver os corações
Nem mesmo mil ladrões podem roubar canções
E deixa estar que há de voltar
O tempo dos pardais, do verde dos quintais
Ou talvez em que o medo se chamou - jamais"
(jose valdir pereira)
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